Como proporção do PIB, o crédito no Brasil duplicou em dez anos. Ajudado pela maior facilidade de acesso a hipotecas, o preço dos imóveis nas grandes cidades mais que duplicou em apenas cinco. A indústria de automóveis, também instigada pela disponibilidade de financiamento, divulgou seu quinto ano sucessivo de vendas recordes em 2011. Agora o boom de crédito no país começa a parecer menos efervescente e mais assustador. A 6%, a parcela de empréstimos com mais de 90 dias de atraso atingiu um pico recorde.
Em vez de retirar o atrativo, o governo está oferecendo mais uma rodada. Em 2009, quando a recessão global conteve a animação dos consumidores brasileiros, os políticos baixaram as taxas de vendas e de juros para reavivar a demanda. Com a economia vacilando novamente — ela cresceu apenas 2,7% no ano passado, e analistas independentes esperam ainda menos em 2012 –, o governo quer que os mutuários venham em socorro mais uma vez.
Em 11 de julho a taxa de juros básica do Banco Central foi cortada em meio ponto percentual, para 8%, contra um pico de 12,5% em agosto passado; novos cortes são esperados. O governo ordenou que os bancos públicos cortem suas margens de juros e emprestem mais, e pediu que os privados os acompanhem.
As taxas menores rapidamente ajudarão a retirar a pressão dos consumidores sobrecarregados, diz David Beker, do Bank of America. Os prazos dos empréstimos são muito mais curtos no Brasil do que na maioria dos países, o que significa que menos mutuários ficarão presos às antigas taxas mais altas por muito tempo. Atualmente, mais de um terço dos repagamentos de empréstimos residenciais são comidos por juros.
Mas a esperança do governo de que os brasileiros reciclem seu dinheiro liberado em novos gastos e empréstimos não é tão justificada. Ceres Lisboa, da agência de classificação Moody’s, duvida que os bancos privados entrem no jogo. O aumento dos índices de inadimplência e as maiores provisões para empréstimos ruins espremeram os lucros, e os banqueiros estão decididos a ser mais cuidadosos sobre para quem emprestarão no futuro. Isso significa que os bancos públicos podem ganhar participação de mercado — talvez ao custo de reduzir a qualidade do crédito, se os privados se livrarem de seus clientes menos lucrativos.
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Uma redução do boom de crédito não é motivo para pânico. Embora a dívida privada tenha crescido nos últimos anos em um ritmo insustentável, um ponto de partida muito baixo significa que o nível absoluto permanece bastante modesto. O estoque de empréstimos hipotecários quadruplicou desde 2005, por exemplo, mas ainda é pouco mais que 5% do PIB. Os bancos brasileiros também estão bem capitalizados, consequência da rígida regulamentação adotada depois de crises bancárias anteriores. Neil Shearing, da consultoria Capital Economics, estima que todas as hipotecas brasileiras teriam de cair em moratória e o valor de todas as cauções se tornar inválido para que a proporção média de capital de nível 1 dos bancos caísse abaixo do mínimo de 6% estipulado no acordo de Basileia 3.
Enquanto o mercado de trabalho permanecer forte, a maioria dos brasileiros que se refestelaram com o crédito deveria ser capaz de digerir seus empréstimos relativamente sem dor. O desemprego está perto de um piso recorde e as rendas reais continuam aumentando, embora mais lentamente que antes. A maioria dos bancos também deveria passar suavemente para um nível mais sustentável de originação do crédito. Alguns credores nicho de porte médio terão dificuldades: no Banco Votorantim, por exemplo, as provisões crescentes contra empréstimos ruins para carros fizeram que os acionistas tivessem de injetar 2 bilhões de reais (US$ 970 milhões) no mês passado. Alguns bancos poderão ser objeto de aquisições. Mas como nem os credores nem os mutuários estão dispostos a assumir muito crédito novo, o maior efeito da orgia de crédito durante uma década no Brasil será uma ressaca na economia real.
*FONTE:CARTA CAPITAL
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